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O anjo libertador

Naquele rumoroso silêncio eu estava. Quem me olhasse diria que eu estava absorto, entretanto, não era bem isto que ocorria.

O silêncio aparente continha o barulho dos meus desencontrados pensamentos, abrangia minha angústia e o medo pelo que estava por vir.

Sabia que era chegada a hora, porém não estava conseguindo equilibrar-me, ante o panorama que se descortinaria, a partir do momento em que abandonasse meu corpo físico e adentrasse à espiritualidade em definitivo.

Ao meu redor, também havia um mínimo de ruídos como se precisassem ficar aquietados, para não me incomodar, mas eu, tudo que queria era ser incomodado pelos que tanta importância tinha para mim.

A dificuldade em expressar-me, dizendo a eles que eu os via e escutava mesmo sem poder retribuir de modo igual, era dolorosa.

Eles já me consideravam destituído de consciência, porém eu ainda a mantinha e podia ver as expressões de dor e sentir as emoções da despedida.

Conforme as horas, que o tiquetaque do relógio marcavam, iam passando, eu me perguntava quanto tempo duraria aquela agonia, e desejava com fervor que os sons internos, a angústia e o medo se dissipassem e a paz, finalmente se fizesse presente.

Minha pequena filha chegou mais perto de meu leito e esticando a mãozinha, tocou meu braço e me chamou: – pai, pai, acorda vamos brincar.

A mãe tentou afastá-la, mas ela resolutamente disse que tinha que ficar perto de mim, pois eu a estava vendo e escutando.

? Seu pai está descansando e não poderá brincar contigo, querida, vamos deixá-lo dormir um pouco.

? Não, o pai está descansando, mas não tá dormindo, vocês não estão vendo?

A mãe deixou-a ficar tocando meu braço, sem nenhum receio dos fios aos quais estava conectado, só que ela começou a chorar silenciosamente, um choro delicado, sem desespero, como se apesar da pouca idade houvesse entendido, melhor do que os adultos, o que estava acontecendo.

Depois de uns instantes, secando as lágrimas com sua pequena mãozinha, e empertigando-se, como se pretendesse se tornar maior, falou devagarzinho: ? pai, eu sei que tu tem que descansar, dormir muito, muito, e eu vou ficar muito triste, muito mesmo, vou chorar de saudades, mas eu sei, pai, que tu tá muito cansado e precisa ir embora pra um lugar bem bonito, junto do pai do céu, pra descansar bastante.

Pode ir, pai, eu fico aqui do teu lado. Tu não tens medo, né?

Tem um anjo de asas bem grandes que quer te abraçar. Ele é muito bonito.

Foi com a presença deste anjo da matéria e do anjo que se apresentou que pude, por fim, silenciar os rumores internos, abandonar a angústia e o medo e deixar que meu corpo físico descansasse para sempre.

Este é o relato de meu adeus, facilitado pela bondade de Deus, que fez com que minha pequenina ficasse ao meu lado, como um anjo encarnado.

Manuel

Recebida pela Magali em 25/01/2014

Revisão: Clovis