Eu sou a Maria
Depois de um dia de trabalho cansativo, cheguei ao barraco, cansada, molhada, pés embarrados, com fome.
Engoli um pouco de café que sobrara da manhã, junto com um pedaço de pão e geleia e vendo que as crianças já dormiam amontoadas em seus cantos, atirei-me no colchão junto ao pequeno Elias e dormi em seguida.
Acordei não sei depois de quanto tempo, ouvindo muita gritaria e em seguida tudo veio abaixo.
Um mar de lama, galhos, pedras, madeiras, tudo me levava morro abaixo. Queria gritar por socorro e por meus filhos, mas tinha a boca cheia de barro, queria me debater, não tinha forças. Apaguei.
Quando consegui abrir os olhos, vi a mim mesma atirada junto a um monte de pedras, com a cabeça sangrando e os olhos vidrados.
O que aconteceu, perguntei a mim mesma. Como posso estar ali se estou aqui? Cadê as crianças? Gritei por socorro, mas não ouvi o som de minha voz. Olhei ao redor e vi que outras pessoas estavam como eu, atiradas no meio do barro, com os olhos do mesmo jeito que eu estava. Cadê as crianças? O pequeno Elias? Não entendia nada. Não sentia dor. Como podia não sentir dor se a cabeça daquela outra eu estava machucada?
Pensei que era melhor ficar quieta e esperar que viessem me ajudar.
Fiquei onde estava, olhando a mim mesma atirada no chão junto das pedras, não sei por quanto tempo.
Quando algumas pessoas chegaram onde estava a outra eu, ouvi dizerem que “eu” morrera na hora, não devia ter sofrido. Enrolaram a outra eu numa lona e carregaram embora.
Desmaiei, ou acho que foi isto que aconteceu, só sei que tinha a cabeça vazia, estava oca. Nada tinha sentido.
Num outro momento, abri novamente os olhos e junto de mim estava um moço bonito, limpo, todo de branco que me apoiava sem me tocar. Ele sorriu pra mim e disse: – Tudo bem, fica calma, estou contigo, vou te ajudar a sair daqui, vamos pra um lugar melhor, onde receberás o remédio que precisas.
Em seguida me levou pra junto de outras pessoas machucadas como estava a outra eu e ele e os outros, que se vestiam como ele, fizeram um círculo grande que foi diminuindo conforme a gente ia se abraçando, até que ficou pequeno e firme.
Voltei a abrir os olhos aqui onde me encontro. Fui atendida pelos enfermeiros daqui que junto com os remédios que eu precisava me explicaram que eu não precisava me preocupar com nada, com ninguém, nem mesmo com meus filhos, pois eles também estavam no mesmo local que eu, mas numa parte que era só para as crianças.
Fiquei mais calma, não sei se é dos remédios ou por saber que meus filhos estão bem. De qualquer forma quando me perguntaram se eu queria alguma coisa mais eu disse que queria contar o que aconteceu comigo, dar notícias minhas e é o que estou fazendo.
Entendi que pro barraco não volto mais e que a outra eu era eu mesma, então estou completa de novo, ainda me sinto esquisita. Vou esperar pra ver quando posso ver minhas crianças. Elas precisam de mim, tenho que cuidar delas.
Disseram que eu pedisse para rezarem por mim e pelos outros, então to pedindo – rezem pela gente.
Eu sou a Maria, que fazia faxina na casa de Dona Augusta, ela me conhece. Onde será que ela está? Será que ela sabe o que aconteceu comigo? Acho que agora não vou poder mais limpar a casa dela, que pena, ela é gente boa.
Bom, agora já sabem o que aconteceu comigo.
Recebida pela Magali em 20/01/2011
Revisão: Clovis